Crise?… Não há crise! Há sempre a Família!

É comum culparmos a rotina pela nossa insatisfação com a vida, mesmo frustração. O conceito de rotina traz consigo a conotação negativa de algo que se repete fastidiosamente. É o hábito de fazer uma coisa sempre do mesmo modo, mecanicamente, a repetição monótona das mesmas coisas.

Já a mudança, o novo é prenhe de expectativas de algo que ainda não vimos ou fizemos. Não apreciamos a rotina, almejamos a mudança. Será?

Paradigma é uma palavra de que gosto especialmente.  (Eu tenho mais simpatia por umas palavras do que por outras, e até tenho um conjunto de palavras favoritas.) Sei exata e cientificamente o que significa paradigma, ou não fosse eu também capaz de citar Khun e a sua “A Estrutura das Revoluções Científicas” graças às aulas de Epistemologia Científica no 2.º ano da Faculdade.

Por isso mesmo, na minha cabeça, mudança e paradigma associam-se automaticamente. Não poderia refletir sobre o paradigma da Família se não evocasse a mudança. Até porque se há contexto social que regista mudanças profundas, é o da Família. A Família tem vindo a mudar tanto que há décadas que se fala em “crise da Família” – digo décadas, porque há décadas já ouvia este sermão na missa… Aqui, associa-se mudança a crise. E crise, é conflito.

A Família está em crise? Conflitua com quê? Ora bem, conflitua com o hábito de fazer a mesma coisa (entenda-se “construir família”) sempre do mesmo modo.

Aparentemente, há sempre perdas quando algo muda. Mas, se muda é naturalmente por causa dos ganhos! A Família, no modelo tradicional não desapareceu, aquele que conhecemos dos nossos pais e dos nossos avós. Ainda assim, novos modelos familiares emergiram. E o modelo tradicional olha para as famílias monoparentais, para as famílias homossexuais, para o grupo de amigos que divide casa , para o solteirão que “nunca mais assenta” embora pague as suas contas todos os meses, como uma ameaça aos seus valores… uma ameaça aos valores (tradicionais) da Família. Pois é, as coisas mudaram! O paradigma vigente foi substituído!

Não falei em ir à missa à toa. Somos, ainda, uma sociedade atinente a valores católicos. Outra tradição… em crise, mas que em muito influi nesta ideia de crise da Família. Não pondo em causa, os pressupostos para tal convicção, partilho apenas porque rejeito que a Família esteja em crise.  Dizia-me uma amiga, a este respeito, ela mãe solteira com um filho inteiramente a seu cargo: “Pouco me recordo de quando os meus pais eram casados. Nunca fiz disso uma tragédia, ganhei uma madrasta, um padrasto, um meio-irmão e até uma avó-dastra. Tenho uma família enorme, tenho muitos afetos à minha volta”. Primeiro, perguntei o que era uma avó-dastra, pois não aprendi tudo de tudo na Faculdade. Depois, pensei na minha infância, e naquele núcleo poderoso e imutável que eram os meus pais e mais ninguém. E a seguir, pensei: “eu sei que não é sempre assim, mas há males que vêm por bem”. Se calhar não temos de pensar na Família como algo imutável, podemos projetá-la sempre como o núcleo íntimo de relações interpessoais, mas onde cabem muitos mais afetos para além dos que a consanguinidade justifica. A Família é afeto. E onde há afeto, não há crise!
E. C.

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