O envelhecimento

Porque envelhecer é a única forma de viver mais tempo, cuidemos de envelhecer bem.

Vivemos em liberdade. Esta ideia é pacífica para a grande maioria das pessoas. Mas será que a nossa liberdade não esconde algumas “ditaduras”, como, por exemplo, a da aparência? Na nossa sociedade a dimensão estética do ser humano assume-se quase como um valor fundamental. Cada vez mais se sobrepõe o parecer sobre o ser, o exterior sobre o interior, como se de uma ditadura da eterna juventude se tratasse. A prática clínica mostra como todas estas exigências dificultam a aceitação do envelhecimento como um processo natural. Como consequência, os sinais de envelhecimento, que implicam sempre uma sensação de perda – perda de faculdades e perda pela passagem do tempo , podem ser vividos de maneira muito angustiante e tornar as pessoas bastante mais vulneráveis ao medo de envelhecer. À juventude estão, normalmente, associados sentimentos de alegria, excitação e prazer; enquanto que à velhice se associa afetos como sofrimento, tristeza e solidão. O ageism, ou preconceito da idade, é um processo de marginalização onde os interesses e as necessidades dos idosos recebem menos atenção do que as pessoas mais jovens. Associa-se a velhice à vergonha, usam-se máscaras e uma série de artifícios para esconder a idade quase como se fosse uma condição indesejada, já que, culturalmente, o mais bonito tem que ser jovem.

Vendem-se elixires da eterna juventude numa tentativa vã de iludir o envelhecimento e a morte. No entanto, felizmente, não existem cremes anti-rugas para o self. O processo de envelhecimento deve ser visto com naturalidade e com a certeza de que o tempo não pára, e à medida que avança vamos envelhecendo e ficando mais sábios. As rugas e os cabelos brancos carregam histórias impregnadas de afetos e de sabedoria. O preconceito contra a velhice funciona como uma censura contra a ideia de que envelhecer é um processo natural e acaba por representar uma ameaça à autoestima, e à aceitação de si, provocando sofrimento psicológico. A Depressão Involutiva, isto é, a depressão associada à noção de perda de faculdades físicas e psicológicas, é um quadro bastante mais comum do que se pensa. Envelhecer é uma experiencia que pode suscitar medos: medo da solidão, da morte, da doença, da dependência física e psicológica, da exclusão por perda de espaço nos diversos papéis conquistados (afetivo, familiar, profissional, social, etc.).

A ditadura da juventude é mais gritante no que toca ao amor e à sexualidade. Parece que a paixão e o amor só estão permitidos para determinada faixa etária: as crianças e os adolescentes ainda são muito novos e os idosos “já não têm idade para isso”, quando não são acusados de estarem demenciados. A paixão, o amor e a sexualidade podem ser vividos desde que nascemos até ao momento da morte. É a forma como estes afetos são vivenciados que vai mudando com o passar dos anos. Quando corre bem, é um processo que se vai refinando, sobrepondo a qualidade à quantidade.

testamento vital

À medida que o indivíduo vai envelhecendo, ele vai fazendo um balanço de vida. Este balanço é importante porque permite que o individuo integre todas as suas experiências de vida. “A vida é curta mas sinto que foi vivida”, dirá o idoso pacificado com a idade. A sabedoria é a forma mais perfeita de integração do conhecimento e das experiências de vida. E as sociedades têm evoluído, em grande parte, pela sabedoria dos mais velhos e porque a esperança média de vida destes tem aumentado. No entanto, ao processo de envelhecimento também podem estar associadas doenças neurodegenerativas (demências), que têm sido alvo de maior estudo e cuidado por parte dos profissionais da saúde, sobretudo na área da psicologia e da neurologia. É bastante comum ouvir familiares dizerem do seu idoso que está “cheché” ou que “voltou à meninice”, sem que percebam que pode traduzir uma condição médica ou psíquica a necessitar de cuidados. Este quadro também pode contribuir para o desgaste e até burnout ou esgotamento dos cuidadores. Estes podem ficar altamente vulneráveis a perturbações psiquiátricas, sendo a depressão a mais comum. É muito importante um diagnóstico precoce pois pode favorecer o próprio paciente e os seus cuidadores a compreenderem e a lidarem de forma adequada com a doença. Desta forma, é possível retardar a progressão da doença, dar o melhor apoio ao doente e prevenir o aparecimento de patologia ansiosa ou depressiva nos familiares próximos e nos cuidadores.

Na Casa de Saúde de Amares dispomos de profissionais de saúde que estão preparados para ajudar o indivíduo no seu processo de envelhecimento e toda a sua família a adaptar-se a uma nova realidade. Temos ao dispor dos nossos utentes uma equipa multidisciplinar que poderá fazer uma avaliação que conduza a um correto diagnóstico e posterior tratamento ou encaminhamento.

Nunca como hoje conseguimos prolongar a esperança média de vida, contudo, se temos sido capazes de conquistar mais quantidade de vida, ainda temos um longo caminho a percorrer no aumento da qualidade da mesma. Como envelhecer é a única maneira de se viver mais tempo, é importante encara-lo como um processo natural, sem preconceitos e sem medos. Caso surjam dificuldades nesta fase da viagem não se deve hesitar em pedir ajuda, sob pena de, por vergonha ou por resignação ao estereótipo de que “não há nada a fazer, é a velhice”, se estar a agravar uma situação que, com grande frequência, traz sofrimento. Se a beleza e a juventude são efémeras, a beleza interior, a sabedoria e o bem-estar não são exclusivos dos jovens. Pelo contrário, vão ficando mais refinadas com a idade.

Artigo escrito por Pedro Fernandes e Carla Sousa,

Psicólogos na Casa de Saúde de Amares.

 

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