Ser família depois do divórcio

Comunicar a decisão, não impor escolhas, manter rotinas. E não confundir conjugalidade com parentalidade num divórcio. Os filhos não são conselheiros matrimoniais.

Ana, nome fictício, 45 anos, professora, separou-se há seis anos depois de um casamento de 15. Na altura, os filhos tinham oito e três anos e escutaram ao mesmo tempo, da mãe e do pai, a decisão. A filha de oito chorou imenso e pediu para ficar sozinha. O filho mais novo não entendeu bem o que se estava a passar. Custou a assimilar, foi preciso tempo para gerir emoções, o pai saiu de casa, as rotinas foram reajustadas, e a família manteve-se de pé. “Para eles, eu e o pai seremos sempre a mãe e o pai. Seremos sempre a sua família.”

Uma separação nunca é fácil. Houve um esforço tremendo, quase sobre-humano, para não misturar assuntos e não envolver os filhos nos problemas. Explicou-se que as coisas iam mudar e que todos ficariam bem. O ex-casal decidiu que o tempo com os miúdos seria dividido de forma quase igual. Duas noites por semana em casa do pai e em fins de semana alternados. Qualquer alteração, por motivos profissionais, de um ou de outro, é resolvida sem stresse. As festas de aniversário dos filhos são celebradas com toda a família num local neutro. As prendas são quase sempre dadas em conjunto, pelo pai e pela mãe. As fotografias não foram arrumadas numa gaveta. Ana não tem dúvidas: “Sem flexibilidade não seria possível articular tudo”.

Os filhos habituaram-se à nova realidade e a família não deixou de funcionar. O pai voltou a casar e tem um filho que é irmão e faz parte da família. “Conseguimos colocar as divergências de lado, conversar e tomar decisões sobre os miúdos.” As consequências também são definidas por ambos. E os avós paternos estão sempre por perto, são um porto seguro. “Não incentivamos a que digam que têm a casa do pai e a casa da mãe. Incentivamos a que digam que têm duas casas. As suas roupas, brinquedos, etc., circulam livremente pelas duas casas. Porque são deles, não são nossos.” Depois da separação, a família não deixou de ser família.

Foto: Peter Calheiros

As escolhas dos adultos têm um enorme impacto na vida dos seus filhos, em termos práticos e emocionais. “É muito importante antes, durante e depois do processo de separação assegurar às crianças que não têm culpa do divórcio dos pais”, refere Helena Gonçalves Rocha, terapeuta familiar. Neste caso, os filhos não têm de ser confidentes dos pais, não têm de saber pormenores da separação, não podem ser obrigados a tomar partido por um dos progenitores.

As crianças têm de ser crianças perante uma nova fase de adaptação e os adultos não devem estar sozinhos, devem pedir ajuda, apoiarem-se nos amigos e na família. “É prioritário convocar a família alargada, os amigos para que possam auxiliar na estabilidade da rotina diária e no suporte emocional do adulto que se está a separar.” “E é urgente garantir que os filhos tenham a infância que merecem”, acrescenta a terapeuta familiar.

Parentalidade cooperativa, respeito e comunicação

A literatura sobre o assunto deixa claro que um divórcio causa mal-estar psicológico às famílias, implica mudanças na vida dos adultos e das crianças. Segundo Vera Ramalho, psicóloga clínica, há vários fatores a ter em conta numa separação: a idade e o temperamento dos filhos, a postura dos pais, a gestão de conflitos, a forma de lidar com o divórcio, as decisões que se tomam. “A coparentalidade vai funcionar melhor ou pior de acordo com um conjunto de fatores. O que é transversal é o ajustamento psicológico dos pais que é um grande pressuposto do funcionamento da família após o divórcio.”

Discussões constantes não dão segurança e tranquilidade aos filhos. “A qualidade da relação que os pais vão ter com as crianças é fundamental.” O bem-estar e as necessidades dos filhos devem ser a prioridade num processo de separação. Não devem ser envolvidos em disputas, não são juízes nem conselheiros matrimoniais, nem podem ser encostados à parede com escolhas que não fazem sentido. O respeito, a parentalidade cooperativa, o envolvimento na educação e decisões sobre a vida dos filhos, bem como respostas sinceras a medos acerca do divórcio, são importantes para que a família continue a ser família. Rute Ramalho avisa que usar um filho como mensageiro é contraproducente. “Este tipo de envolvimento da criança é totalmente desaconselhado e causa ansiedade, tristeza e mágoa. Os adultos devem agir como tal e comunicar entre si pelo bem-estar dos seus filhos.”

“É urgente garantir que os filhos tenham a infância que merecem”
Helena Gonçalves Rocha
Terapeuta familiar

As relações afetivas transcendem as residências, a família continua a ser apenas uma na perspetiva de uma criança, mesmo após uma separação conjugal. E os pais devem separar as águas, distinguir o que é conjugalidade e o que é parentalidade. “Devemos evitar transmitir à criança a ideia de que passa a ter a ‘família da mãe’ e a ‘família do pai’. Não interessa onde as pessoas moram. É fundamental que a criança seja ajudada a interiorizar esta ideia, transmitindo sentimentos de continuidade, segurança e previsibilidade”, explica Rute Agulhas, psicóloga clínica.

O conforto dos filhos de pais separados reside também na capacidade do ex-casal comunicar e conversar sobre questões importantes da vida das suas crianças. É uma atitude de extrema importância. “A criança deixa de estar exposta a conflitos e a divergências, a decisões unilaterais por parte de um dos pais com as quais o outro, depois, não concorda. É necessário proteger a criança destas situações.”

A família não tem de ser desfeita depois de um divórcio e os pais não têm de ser amigos. Rute Agulhas lembra uma analogia do livro “Casa da Mãe, Casa do Pai”, de Isolina Ricci. “Usando uma metáfora muito interessante, os pais devem funcionar como sócios de uma mesma empresa. Sem capacidade de comunicação e de negociação, a empresa vai à falência. Neste caso, a empresa são os filhos.”

Lista de prioridades:

  1. Comunicação
    Um dia a dia informado entre pais poupa dissabores.
  2. União
    Educar como equipa, não como adversários.
  3. Coerência
    Manter regras consistentes em casa de ambos os progenitores: trabalhos de casa, horas de deitar, tarefas domésticas, etc.
  4. Organização
    Saber dos compromissos atempadamente. Desta forma, tudo se viabiliza, tudo se coordena.
  5. Prudência
    Nunca falar mal do outro progenitor, mesmo que a terceiros, na presença dos filhos. Coloca em causa a lealdade das crianças.
  6. Tranquilidade
    Minimizar as transições. Evitar mudança de casa a meio da semana.
  7. Respeito
    Não interferir na rotina do “outro lado” com telefonemas constantes. A criança deve estar confortável nos espaços sem sentir que está a trair alguém.
  8. Reconhecimento
    Aceitar o/a novo/a companheiro/a como figura parental. Essencial para a estabilidade na vida dos filhos.
  9. Família alargada
    Potenciar a convivência com os avós.

 

 

Fonte: Noticias Magazine 

Autor: Sara Dias Oliveira

Fotos: Peter Calheiros

Comentários